segunda-feira, 13 de junho de 2011

Casa Branca de Gramido: Utilização Pública ou Privada?



A 1 de Março de 2002, foi assinado um protocolo de acordo, entre o Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, representado pelo então ministro da pasta Eng.º José Sócrates, e a Câmara Municipal de Gondomar, representada pelo então e actual presidente Valentim dos Santos Loureiro. Este protocolo de acordo foi assinado no âmbito do programa europeu Polis, tendo por objectivo principal a requalificação e valorização da margem ribeirinha de Gondomar, através da criação de um passeio marginal e uma ciclovia, aproveitando simultâneamente as condições naturais e paisagísticas da região a intervencionar.

No conjunto de intervenções a empreender, havia à época uma que se destacava não só pelas verbas envolvidas, como também pelo interesse histórico e patrimonial (não só para a região como para o próprio país).

Falo da histórica “Casa Branca de Gramido”, imóvel de interesse público (“a Casa Branca de Gramido foi adquirida pela Câmara Municipal de Gondomar à D. Rosa Branca Pereira a 28 de Julho de 1989. O edifício está classificado desde 2002 como imóvel de interesse público”), e cuja reabilitação foi adjudicada em 2005 à empresa Sofranda S.A., pela verba de 788.603,51€ (IVA incluído), obra executada e concluída durante os anos de 2005 e 2006.

Sendo a obra a executar realizada num imóvel classificado de interesse público, a mesma foi acompanhada, em termos arqueológicos pela empresa Mola Olivarum de Vila do Conde. Dos estudos realizados por esta empresa não ficaram esclarecidas dúvidas quanto ao real interesse da Casa Branca de Gramido a nível histórico. Passo a transcrever texto do relatório final da Mola Olivarum:

Se o espólio arqueológico confirmou a cronologia dos dois edifícios, não esclareceu, no entanto, dúvidas bem pertinentes que tínhamos e que não ficaram esclarecidas.

1ª - Não encontramos espólio relacionado com a fase militar do edifício. Sabe-se, no entanto, que a anterior proprietária ali recolheu pelouros de artilharia e uma bandeira.

2º - Não detectamos nenhum sinal que permita relacionar esta casa com a assinatura da Convenção de Gramido.

3º - Não conseguimos esclarecer se a actual configuração do terreno voltado ao Rio Douro que acompanha a curvatura da via pública – tem forma semi-arredondada – está ou não relacionada com uma bateria. Se o foi, era ali que se poderia colocar uma peça de artilharia. O senão é que ao colocar-se a peça mesmo de frente da casa a cobrir a travessia do rio, punha necessáriamente esta em risco, no caso da resposta militar vir da outra margem.

Neste processo há um adiantamento da autarquia quanto à avaliação de interesse histórico do edifício, uma vez que o declara imóvel de interesse público no ano de 2002, e o estudo arqueológico é datado de 28 de Abril de 2004, ou seja, dois anos após a declaração de interesse público.

O projecto da obra de recuperação foi elaborado pelo gabinete de arquitectura Barbosa & Guimarães, tendo coordenado o mesmo o arquitecto José António Barbosa. Foi o mesmo projecto acompanhado pelo IPPAR com o qual foram efectuadas reuniões técnicas, sendo o mesmo submetido ao parecer da CCDR-N e do IEP, com aprovação de ambas as entidades.

O projecto foi desenvolvido com o seguinte programa:

- Criação de 1 sala de recepções com 78,4 m2

- Criação de 7 salas de trabalho polivalentes (1 das quais com 42,4 m2

e com cadeiras e pranchetas)

- Criação de 1 posto de turismo

- Criação de 1 cafetaria com esplanada.

Quanto ao objectivo, no plano estratégico, de reabilitação da Casa Branca de Gramido, dizia o mesmo plano “que se justificava plenamente a reabilitação e reconversão para uso público e/ou institucional” (Já se vê aqui uma alteração do espírito do programa Pólis - ao ser utilizada no texto a frase e/ou institucional, que como todos sabemos pode levar a várias interpretações e/ou utilizações - que visa na sua essência a utilização das verbas por este programa atribuídas, únicamente para beneplácito público).

A obra foi inaugurada com grande pompa e circunstância a 31 de Maio de 2008, numa cerimónia presidida pelo presidente da autarquia Valentim dos Santos Loureiro.

Do projecto inicial, e segundo documentação do Pólis Gondomar, passaram da criação de 8 salas, 1 posto de turismo e 1 cafetaria com esplanada, para:

- 1 Sala de exposições

- 1 Núcleo documental

- 1 Sala de conferências

- 1 Bar/Cafetaria

- 1 Espaço polivalente

Ou seja, eliminaram-se 4 salas (possívelmente de trabalho) e 1 posto de turismo.

Posteriormente, mais precisamente a 3 de Setembro de 2009, é aprovada em reunião camarária a assinatura de um protocolo com a COFAC – Cooperativa de Formação e Animação Cultural CRL, entidade detentora da Universidade Lusófona do Porto (universidade privada), assinatura essa executada a 5 de Outubro de 2009 (segundo site do Grupo Lusófona).

O curioso de todo este processo é que, e segundo o protocolo assinado pelas partes, a Universidade Lusófona, através da COFAC, fica detentora em exclusivo de um imóvel histórico, em regime de comodato (ou seja emprestado), por um período de “5 anos, renovável por iguais e sucessivosperíodos, salvo denúncia fundamentada por qualquer das partes, com uma antecedência mínima de 180 dias.

Por outras palavras retiraram (Câmara Municipal de Gondomar e Cofac), do uso público para o uso privado um edifício histórico recuperado com verbas do Pólis Gondomar (verbas públicas). Aliás, temos essa confirmação ao ler-mos no site do Grupo Lusófona precisamente isso. Passo a transcrever: “a casa, que foi reabilitada em 2006, dispõe de cerca de 660 m2 que a Universidade Lusófona utilizará da melhor forma em benefício dos seus alunos”.

Ficou a COFAC, à época, obrigada por esse mesmo protocolo “ a implementar uma biblioteca/centro de documentação de história contemporânea considerando que esta se articulará e complementará a oferta da Biblioteca Municipal, podendo ser utilizada pelo público em geral, nas condições do respectivo regulamento de utilização” (considerando G do protocolo).,

Serão ministrados cursos no âmbito das Ciências aeronaúticas e outros” (considerando H do protocolo).,

Na 2ª cláusula nº3 lê-se: “é da responsabilidade do comodatário o pagamento de todas as despesas inerentes à utilização, conservação e exploração do prédio cedido”. A verdade porém é bem diferente para quem por lá passa hoje, mais de um ano após a assinatura do protocolo (escrevo este texto a 6 de Novembro de 2010), pois vê um edifício fechado, completamente ao abandono e com falta da talconservação contratual - as balaustradas das varandas estão completamente enferrujadas e as portas e janelas já necessitam de uma nova pintura - , faltando ver como estará a conservação do edifício por dentro, coisa impossível de fazer a partir do momento em que o edifício está encerrado a público.

Podemos concluir que, do projecto inicial que previa a recuperação do edifício para usufruto público (daí a sala de conferências, a cafetaria com esplanada, as 7 salas de trabalho e o posto de turismo), tal intenção foi deturpada pela Câmara Municipal de Gondomar ao entregar através desse protocolo, o usufruto do edifício a uma entidade privada, espoliando os gondomarenses de um bem que lhes pertence por direito e pela recuperação do qual pagaram.

Pergunto agora, qual seria a dificuldade de instalar um pólo da Biblioteca Municipal, especializado no período histórico da Patuleia, de fazer exposições itinerantes ou mesmo permanentes, de ceder as inicialmente projectadas salas de trabalho a artesãos e a produtores do conselho, por forma a darem a conhecer o seu trabalho. Muitas mais utilizações poderia ter a Casa Branca de Gramido, bastando para isso que houvesse vontade da vereação da cultura da CMG, e não a que infelizmente tem neste momento, que é nenhuma.

Para não ser considerado maldizente devo dizer que a Universidade Lusófona fez de facto alguma coisa no edifício (que seja visível): colocou uma placa de latão no exterior a dizer “ Universidade Lusófona do Porto – Escola de ciências aeronáuticas, pós-graduações e especializações Professor Comandante J.A. Sousa Monteiro

Mais uma vez fica demonstrado que a Câmara Municipal de Gondomar, com o aval dos seus órgãos dirigentes, não defende o interesse público, usa os dinheiros públicos para a recuperação de um edifício público e depois negoceia com empresas privadas o usufruto do mesmo (talvez por interesses que só os “deuses” devem conhecer). A partir daqui que cada um tire as suas ilações.

Sr. Presidente da Câmara Municipal de Gondomar, Sr. Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Gondomar, devolvam à população o que a ela pertence, e que por ela foi adquirido.

Gondomar, 6 de Novembro de 2010

Vergilio Pereira

P.S.: Todos os elementos necessários à redacção deste texto foram retirados do site do Pólis Gondomar e do site do Grupo Lusófona.


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